Os CEOs são vistos
pela atual sociedade como pessoas de conhecimento elevado na hierarquia
empresarial
e gurus na arte de fazer negócios.Homens como Lee Iacocca, da Ford Motors Company e Jack Welch, da General Eletric; passaram a ser recebidos pelo público em geral como os grandes salvadores capitalistas, como observam Fisman e Sullivan (2013). Com áureas de gênios da administração, destes executivos, sempre se espera manobras gerenciais, ou mesmo, decisões surpreendentes capazes de colocar a empresa no topo dos mercados.
Não foi diferente com a Enron
Corporation sob a liderança de Kenneth Lay CEO da companhia e Jeff Skilling o
diretor financeiro. Esta dupla traçou a estratégia de sobrevivência da Enron
diante da política americana de desregulamentação do setor gás. Skilling
desenvolveu uma tática intitulada “gas
bank” que na prática, segundo Healy e Palepu (2003), transformava a empresa
Enron num tipo de “banco de investimento de gás”.
A estratégia consistia em estocar intermediar a compra de gás entre produtores e consumidores. Linhas de gasodutos eram alimentadas e transportadas no Texas e Califórnia à medida que os estados americanos iam desregulamentando a Enron seguia avançando no mercado estadunidense. As oscilações extravagantes dos preços eram absorvidas por contratos de preço prefixados cobertos por ativos financeiros como fundos hedges, swaps e derivativos, afirmam Healy e Palepu (2003).
Aquele era o contexto descrito por
Faria e Sauerbronn (2008) em que a estratégia era entendida como a capacidade
da organização em se adaptar as condições mercadológicas. A ideia de “livre
mercado”, “mão invisível” e “mão visível” estava no campo de visão dos
estrategistas da Enron que aliados ao marketing aumentavam o market share da empresa. A estratégia
“banco de gás” tinha como foco trocar “ativos pesados” por “ativos leves”,
neste caso, gasodutos por contratos comerciais.
Internamente a Enron introduziu um
clima de competição onde se valorizava profissionais agressivos. Estabeleceu-se
um sistema de score para cada
funcionário numa escala que variava de 1 a 5, incitando os executivos e
tomadores de decisão da Enron a fechar contratos com fornecedores e clientes,
mesmo diante de projetos frágeis e sem perspectiva de rentabilidade.
A companhia Enron financiava projetos
de altos riscos chegando ao final do ano 2000 vendendo 20 vezes mais o tamanho de
sua estrutura de gasodutos que já era 8 mil quilômetros a menos que utilizada
em 1985, destaca Healy e Palepu (2016). Suas incursões se espalharam pela
América latina, Ásia e Europa; entrou em outros setores como energia elétrica,
internet banda larga, carvão e celulose; em todos os casos aplicando o modelo
“banco de gás”. Alcançou um crescimento de 240 por cento, os executivos da
Enron foram recebidos pelo mercado como os grandes gurus da administração e a
Enron tornou-se exemplo para os mercados de custos elevados.
De acordo com Healy e Palepu (2016), a
Enron possuía comitês de gestão de riscos, RAC (Risk Assessment and Control), com a
função de reportar a Jeff Skilling os riscos financeiros e não financeiros de
cada operações. No centro deste sistema de controle estavam as 64 páginas do
Código de Ética da empresa, das quais todos os funcionários da companhia
declaravam por escrito que cumpriam linha por linha.
Diante de tanto sistema de controle um
campo ficou desguarnecido, a contabilidade. A prática contábil marked-to-market (marcada a mercado)
mascarava os balanços da Enron atribuindo valor superior aos investimentos que
estavam em queda livre. A agressividade dos ganhos, a busca pelo protagonismo
no mercado e o ambiente insalubre e competitivo dos escritórios da Enron, fizeram
aqueles profissionais a fecharem seus olhos para os números vermelhos que
surgiam dos confusos investimentos “enronianos”.
Se a ética pode ser concebida em três
vertentes, sendo elas: organizacional, individual e através da burocracia, como
defendem Clegg et. al (2011), a Enron já havia desrespeitado todas estas
categorias. As 64 páginas do Código de ética se tornaram apenas um cerimonial
para aqueles profissionais. O formato organizacional agora era a sobrevivência,
“bola de neves” de problemas, a imagem da organização estava arranhada.
Começaram as maquiagens na
contabilidade criando empresas como a Chewco, LJM1 e LJM2 que segundo Healy e
Palepu (2016) tinham o propósito de movimentar Ações da Enron em troca de
alavancagem financeira. Auditores externos se calavam diante das ocorrências,
riscos financeiros eram alardeados, as Ações que haviam atingido US$ 90 já
estavam nas regiões de 30 e 40 dólares em meados do ano 2001, mesmo com a
demissão de Kenneth Lay e a posse de Jeff Skilling como novo CEO. No começo de
novembro daquele mesmo ano do World Trade Center o conselho da Enron declarou
que o lucro entre os anos 1997 e 2000 tinha sido na verdade 80 por cento a
menos do que fora divulgado naqueles anos. E em 2 de dezembro, em Nova York, a
Enron declarou falência.
A saga Enron exemplifica de modo
completo as três abordagens da Responsabilidade Social Empresarial de que falaram Faria e Sauerbronn (2008). As
dimensões normativa, contratual e estratégica foram aviltadas no instante em
que a estratégia “banco de gás” se descolou do tripé pessoas-planeta-lucro. A
companhia Enron encarou a relação lucratividade e ética como um trade-off desconsiderando a
possibilidade de conciliação entre ambos.
O clima competitivo fez com que os
empregados da Enron se esquecessem das condutas éticas. Um sensemarking, de que falaram Clegg et. al (2011), deveria ser
empreendido naquele quadro de sucesso em meados dos anos 90. Uma modelagem de
comportamento que viabilizasse a conscientização dos empregados frente às
demandas agressivas das atividades empresariais não faria mal àqueles
executivos e administradores. Mas o fato é que enquanto a Enron vencia os CEOs
resolveram dobrar a aposta e mergulhar em setores onde a estratégia “banco de
gás” era vunerável. Somando-se a isto a fome por lucro, mesmo que atropelando
seu próprio código ético, a Enron sucumbiu.
Referências Bibliográficas
CLEGG, S; KORNBERGER, M.; PITSIS, T. Administração e
Organizações: uma introdução à teoria e à prática. Porto Alegre: Bookman, 2011.
Cap. 10.
FARIA, Alexandre; SAUERBRONN, Fernanda Figueiras. A responsabilidade
social é uma questão de estratégia? Uma abordagem
crítica. Revista de Administração Pública, n. 42, v.1, p. 7-34, 2008.
FISMAN, Ray; SULLIVAN, Tim. A organização: entenda os
bastidores das empresas. Trad. Leonardo Abramowicz. Rio de Janeiro: Elsevier,
2013.
HEALY, Paul M.;
PALEPU, Krishna. The Fall of Enron. Journal of Economic Perspectives,
v. 17, n. 2, p. 3-26, 2003.
______________. The Fall of Enron. Harvard Business
School, 2016.
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Autor: Daniel de Souza Júnior - Mestrando em Administração UDESC/ESAG